terça-feira, 12 de agosto de 2014

escrever interessa pouco pra quem sabe encantar o fluxo

voz com gosto de chuva
o primeiro passo
mosaicos e cacos de alma

são as pequenas inquietas coisas que me fazem
desassossego alimenta este trapo
fragmento que se unifica com o todo
na verborragia insuficiente do sonho
nunca tive paciência pra romance
gosto de prosa com desfecho de filme iraniano
sangue quente - o coice
acredito só neste bombardeio
gente obcecada que perdeu o rumo
no temporal esplendoroso do fôlego
agarro-me neste invento sem moralizar o rastro
escuto o cheiro de cada bugiganga dentro da sacola
nasci de costas para o sol que iluminava a banheira
sertaneja de nuances - lubrifico a memoria
um desajuste vivo de voltar a ser como as montanhas

chão árido
prisioneira dando corpo

a este mistério - 
a este candango
evocando dor
ator que desconhece artaud

mãe que sempre odiou burca
desobedece a historia
um anel pra cada dedo
sentimento cigano
na arquitetura lírica desta forca
respeito o visceral que me chega - que me cega
amando ainda mais o vício
que tenha exageros turvos resplandecentes

o que erra natural e vasto sem forjar o amargo de toda beleza
andarilho aos meus olhos versa primitivo a estrada
escrever interessa pouco pra quem sabe encantar o fluxo

a paisagem derruída tem sua gloria
por que sou dos que se abortam pelos cantos
dos que conversam sozinhos pela rua
infantilizo ainda mais este sotaque
adulto não me interessa
gosto de assediar o duplo de cada labirinto
escuro que me acende
asceta neste afago do imperfeito iluminado
que furtem meus garranchos
se tiram dez - boto mil
mas não estou competindo com os parasitas
minha guerra sempre será outra

a risada
o escárnio deste sereno
a maleta abarrotada de folhetos numa noite dionisíaca
cantarolo meu entusiasmo
sem a angustia de qualquer experimento
confesso
há fome o bastante nas viagens do nunca
depois volto e contemplo
aquilo que se esqueceu por tanta existência
na orgia das palavras despidas
inescrupulosa liberdade se banha

meretriz porra nenhuma - tudo puta mesmo

a zona que amo nem me adora
mas num desço do salto pra homem não
a pica do seu zé já foi muito gostosa
mas chega um dia que tudo acaba até o dinheiro
o véio vem aqui toda semana e me traz um agrado
broa - biscoito - cigarro
dá até pena - o coitado só anda no cio
nem sobra tempo pra um boquete nele direito
a clientela aqui do sobe-desce é frenética
dá de tudo
office-boy broxa que tem namorada
aposentado batedor de punheta
sapatão catando umas por fora
bandido que nem fez dezoito
eita vida louca essa nossa
a rosinha que foi esperta - deu sorte
se mandou pra itália com aquele gringo doente das bola
lembra
o cara pagava ela com euro e nem esperava o troco
que mulherzinha sortuda
saiu desta vidinha entrou numa vidona
hora fico só imaginando
ela lá nas oropa
entrando no shopping comprando perfume importado
acordando tarde
bebendo todas na beira da piscina
fico com raiva só de pensar
quem me dera ter nascido com o cu virado pra lua
as novinha aqui se estraga
tudo cuca-doida
pira no pó - dão moral pra vagabundo
viaja nos trafica
logo embarriga aí tudo acaba
ficam gorducha sem um puto pra botar silicone no peito
a bunda murcha - um arregaço que só
pois é - deixa eu te contar
putaria lá em casa começou cedo
foi um troço hereditário
tipo artista de pai pra filho
mas quase sempre o filho é uma bosta
começou com minha mãe - depois minha tia - minha irmã
meretriz porra nenhuma - tudo puta mesmo
agora tô aqui representando a família
gente continua na merda - morando lá onde o juda perdeu a cueca
dentro do mesmo barracão - abarrotado de criança
é filho do pai - é filha da mãe - é filho da puta
e ainda por cima tem que suportar rabo-de-zoi das crente besta do bairro
caralho - é foda - agüento não
continuo pagando a escola da bruninha com minha boceta
dando a xoxota sem gosto pra pagar a educação dela
quero a bruninha aqui não - mas se vier fazer o quê
amiga me dá mais um cigarro ando muito estressada
o seu zé ta enchendo o saco
agarrou no meu pé esse mané
me chamou pra morar com ele no sítio
tem hora que até penso - sabe
sei lá - dar um tempo desse bordel fodido
entrar numa cooperativa de bordado
fazer um cursinho de enfermagem
saí fora disso
mas aqui também tem lá suas vantagens
num bato cartão - toda hora pinga
faço meu horário - já até me acostumei
que desgraça - a cabeça da gente é uma guerra
mal dá bobeira e já vira grade
ser humano é cabuloso - não valoriza nada
mais tarde vamos tomar uma gelada
sair deste chiqueiro
pegar uma noitada boa
um forrózinho pé de serra lá no chico
dançar funk - dar uma aliviada
fica chorando não vai adiantar porra nenhuma
a pancada das conta acaba nunca
ta bom - gente combina
lá vem de novo aquele negão com o pau igual do kid bengala
esse cara fede - nem sabe comer uma puta de quatro
mete a piroca de com força e nunca goza - esse malandro é broxa
grito - esperneio - faço todo teatrinho mas não adianta
esse maluco tem afinidade é com fio terra
igual marlon brando naquele filminho - tu já viu
pega a tesoura - corta a unha da ninfeta
bota o carão no vidro do banheiro -
e pede pra mocinha atolar o dedo no rabo dele
caramba num entendo nada
parei
a noite me jogo - vou me esquecer na pista
pois a gente é fruto do desejo - nunca da necessidade
querida
vem comigo - na boa
vamos dar uma despirocada
beijão vadia -
vou lá -
a chapa ta esquentando
hoje a peãozada ta gastando o da cesta básica
espera - some não
viu piranha!!!

domingo, 3 de agosto de 2014

sabiá que não gosta de cativeiro

mal escrito -
mais que vontade -
um feito -
sem nenhuma flip -
falso glamour -
vendedor de papel pelos cantos -
palestra  
a coisa continua dentro
o escritor -
esse personagem imbecil - inútil - que se acha uma preciosidade
aquele que anda guardando rascunhos para um livro -
ou o premiado que não passa daquilo    
hoje - amanhã - no passado - no presente e até num futuro duvidoso -
precisa larga a mão de ser broxa - entregar o que sobrou de alma pro demônio -
cair na rua - na vida - na viela - no bairro - na praça - sem perdão -
como se fosse um pombo - um abutre - uma águia -
que não teme o tempo - todo bruxo e soltar o dedo
pois as cores não repousam no leito
nem sequer possui uma estante cheia de autores mortos
divindades que o outro jura que não morreram  
que o mesmo dialeto não se repita - que eu tenha bronca
sem esse papo de je est un autre - de rimbaud que me faz dá risada
pra degolar o juízo de deus -
gente que ainda acha que viver vale a pena
a tinta desta passividade tola me traz coceira     
é que o troço fica ali enfiado no sol do meio-dia ou com a cabeça no sereno
pela eternidade pequena daquela chuva - de nome deserto sem aliança
dentro deste cemitério de sonhos - minha geografia sempre foi maior que a de fora
atiça outras intensidades pela sobrevida de qualquer folheto
os que me chegam repetem o tal discurso
como já dizia neruda - assim falava crevel -
como se estivessem lendo a bíblia
enchem o saco - se apresentam mais ocos que o tempo
desta catequese de latifundiários anseio distância
e desejo falar agora dos que se aproximam distante
dos que proseiam sem cacoetes de literatura   
o casal de artesãos com seu filho no colo
um sorriso desdentado que recebo no estrela d’alva como alento  
sigo no trampolim desta catarse - sabiá que não gosta de cativeiro  
escuta - nem vou no cinema por que sou pavio acesso
tenho a biografia daquele mártir o mesmo d n a grudado na carne
e só consigo amar os obcecados -
com nojo do impessoal - dos que não se comprometem  
desligo o telefone - abro o único botão de meu paletó  
e celebro contraditório imenso esse barro
ontem falei com a tal escritorazinha suicida que não morre  
com o mágico pateta que cospe fogo pelo dedo
com meu papagaio compus uma embolada - um rap
começa assim:
  
a parada é muito louca desde a época de cristo
é judeu matando árabe isso nunca foi mito

morre mais um palestino na faixa de gaza
se o hamas responde a mídia fala que é uma praga

israel anda armado
armado até os dentes
se morre um palestino judeu fica contente

eu não vou chorar
se o hamas também derramar sangue judeu nessa terra de ninguém

não é apologia
é pura verdade
palestina sofre
todo dia toda tarde

eu não vou chorar
se o hamas também derramar sangue judeu nessa terra de ninguém

tinha quinze é já cantava o refrão com sangue no olho
árabe-favelado sem nenhum livrinho debaixo do braço
protocolo - macunaíma -  jorge de lima - nunca tive paciência   
o padeiro-camelô-vendedor de plano funerário
arrimo de fracassada família - sem sobrenome - subterfúgio
dinheiro no banco - sonhava o que ainda sonha
a presença onírica dessa voz e seu mesmo gosto salgado
somente isso - o caldo fervendo - chapa quente
nada - nem ninguém poderá salvar minha léxica  
de que me vale um surrealista supostamente lírico
um tradutor que não fala a língua do vento
um catedrático que adora soneto   
o devaneio da guerra
quando o caboclo na carvoaria chora lágrima de criança anêmica
mando a merda os colonizadores - os que se acham misteriosos
o bardo que escreve um romance
elitista precisa dumas pancadas  
a borboleta suja de poeira foi chamada de mariposa
na teia de aranha tomou vassourada
sensibilidade sisuda
há resquícios no ritmo descompassado daquela luta
muita febre
muito sangue
música sem sal
popular demais - deu bandeira
atravessou a cidade toda a pé pagando promessa
fingia que participava
daquela marcha
daquele credo
daquele despacho no terreiro de umbanda
tudo tão bacana
tudo tão babaca  
que a lama grudada no pescoço -
subiu pra cara e nunca mais saiu da pele  
no olho do literato só havia mofo
museu
vaidade parada  
esse pangaré nunca deu um grito
todavia
a morte é cega num corpo sem janelas                    

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

a hecatombe do corpo

uma viva obra se inicia e não me venha mascar chiclete no pântano
enquanto olha pro carroceiro cheio de compaixão
abro a preguiçosa boca das improbabilidades com muita proeza
o culpado foram os livros - os mesmos que me salvaram
que me botaram na vida -  que me lançaram neste inferno -
cheio de ódio pelo professores sem fluxo
naquela escola a biblioteca era um oásis
bem melhor que castigo atrás da porta
pulava a janela nas aulas de matemática - português e qualquer outra -
por que só interessava-me aquele canto - na sétima dei um basta - 
abandonei logo aquilo e fui traficar sementes de abóbora pela cidadezinha
tive como mestre o ronco esplendoroso da água salgada que me banha
a malandragem da catira - nenhuma tabuada - nem sequer receita   
a fotografia despida do chão - sem precisar fazer força - levo na memória 
fracassei ao contemplar os móveis da casa
essa ordem ridícula que não se aproveita
pai
mãe
filho
cachorro
cozinha
comercial de cerveja
hoje em dia até pago pra jogar fora
pra exterminar o que não se espanta
dando risada no fosso
brincando com o tempo e cuspindo na cara do relógio
o garoto leu pra caralho - mas não o suficiente pra ficar sujo
foi preciso arrebentar com os pudores - atirar a cinderela na lixeira
o michê na sarjeta - o cafetão sem lógica na melodia    
e dormir doze noites na barraca daquele cigano
talvez entenderia - sentiria alguma coisa
o coice das iluminações
o palavreado sanguinolento deste dialeto que alimentou a prosa 
o bate-papo de cigarro entre os dedos - cuja a referência era tudo aquilo que voa
sem a propaganda da margem - vivi ali - a hecatombe do corpo
a bagaceira da voz - hipopótamos da imagem
andam os afrescalhados de alma melindrosos com os tubarões do feito
nem foi preciso apregoar o ego dos com a cara lá dentro
o restaurante chinês lavava dinheiro enquanto existisse o antiquário
naquela igreja raspei pé de santo barroco e comprei uma passagem pras oropa
naquele brejo nada estava ao meu alcance -
a literatura de época 
ladrão
monge
prostituta
gay libertário
tudo trivialidade pra quem tinha fôlego
neste circo pau na lona a semana inteira era ordem 
zezinho-coração-de-pirilampo faz gracinha - sem nariz vermelho -
trás na bagagem um colossal mangue
uma maleta de papelão e algumas farpas no bolo 
depois tupiniquim vai embora pra terra-do-nunca-se-achando
ensina jagunço a fazer ode em nova-contagem
criança à dar bica na família   
em terminal de ônibus distribui ingressos pra suruba sádica
vai de mesa em mesa dividindo garatuja com quem esmola
e não tem repulsa - autografa este livro escrevendo assim: 
deusa rabuda te espero pra outro despacho
desse jeito
mistura o cheiro da boceta com o da página
a noitinha te acerto
adiante os pirralhos me alegram
selvagem no gargalo devoram o sonho
como se houvesse dito isso antes
a performance deste karma imperfeito entrou em minhas trevas
assassinou a cambada ingênua
tão refém destes rótulos que se espalham
um momento que vou buscar o peixe - de camisa aberta -
morder o calda da piranha na esquina ou na curva
acompanha a rima - antes dá uma no rapé:
metranca de silêncio e silício
anuncio
o cio
o ingresso pro camarote do fim do mundo à preços populares
compro tudo
calcinha
colares
a cidade com seus andarilhos tolos
toda doideira
além de qualquer estandarte
arte que não arde é só artimanha
o medo
o ouro
o surto
o suco de groselha no copinho
o amor que se mata
a dor que me fode
compro e dou valia
alegoria
apontando o lápis que não sai imune