domingo, 3 de agosto de 2014

sabiá que não gosta de cativeiro

mal escrito -
mais que vontade -
um feito -
sem nenhuma flip -
falso glamour -
vendedor de papel pelos cantos -
palestra  
a coisa continua dentro
o escritor -
esse personagem imbecil - inútil - que se acha uma preciosidade
aquele que anda guardando rascunhos para um livro -
ou o premiado que não passa daquilo    
hoje - amanhã - no passado - no presente e até num futuro duvidoso -
precisa larga a mão de ser broxa - entregar o que sobrou de alma pro demônio -
cair na rua - na vida - na viela - no bairro - na praça - sem perdão -
como se fosse um pombo - um abutre - uma águia -
que não teme o tempo - todo bruxo e soltar o dedo
pois as cores não repousam no leito
nem sequer possui uma estante cheia de autores mortos
divindades que o outro jura que não morreram  
que o mesmo dialeto não se repita - que eu tenha bronca
sem esse papo de je est un autre - de rimbaud que me faz dá risada
pra degolar o juízo de deus -
gente que ainda acha que viver vale a pena
a tinta desta passividade tola me traz coceira     
é que o troço fica ali enfiado no sol do meio-dia ou com a cabeça no sereno
pela eternidade pequena daquela chuva - de nome deserto sem aliança
dentro deste cemitério de sonhos - minha geografia sempre foi maior que a de fora
atiça outras intensidades pela sobrevida de qualquer folheto
os que me chegam repetem o tal discurso
como já dizia neruda - assim falava crevel -
como se estivessem lendo a bíblia
enchem o saco - se apresentam mais ocos que o tempo
desta catequese de latifundiários anseio distância
e desejo falar agora dos que se aproximam distante
dos que proseiam sem cacoetes de literatura   
o casal de artesãos com seu filho no colo
um sorriso desdentado que recebo no estrela d’alva como alento  
sigo no trampolim desta catarse - sabiá que não gosta de cativeiro  
escuta - nem vou no cinema por que sou pavio acesso
tenho a biografia daquele mártir o mesmo d n a grudado na carne
e só consigo amar os obcecados -
com nojo do impessoal - dos que não se comprometem  
desligo o telefone - abro o único botão de meu paletó  
e celebro contraditório imenso esse barro
ontem falei com a tal escritorazinha suicida que não morre  
com o mágico pateta que cospe fogo pelo dedo
com meu papagaio compus uma embolada - um rap
começa assim:
  
a parada é muito louca desde a época de cristo
é judeu matando árabe isso nunca foi mito

morre mais um palestino na faixa de gaza
se o hamas responde a mídia fala que é uma praga

israel anda armado
armado até os dentes
se morre um palestino judeu fica contente

eu não vou chorar
se o hamas também derramar sangue judeu nessa terra de ninguém

não é apologia
é pura verdade
palestina sofre
todo dia toda tarde

eu não vou chorar
se o hamas também derramar sangue judeu nessa terra de ninguém

tinha quinze é já cantava o refrão com sangue no olho
árabe-favelado sem nenhum livrinho debaixo do braço
protocolo - macunaíma -  jorge de lima - nunca tive paciência   
o padeiro-camelô-vendedor de plano funerário
arrimo de fracassada família - sem sobrenome - subterfúgio
dinheiro no banco - sonhava o que ainda sonha
a presença onírica dessa voz e seu mesmo gosto salgado
somente isso - o caldo fervendo - chapa quente
nada - nem ninguém poderá salvar minha léxica  
de que me vale um surrealista supostamente lírico
um tradutor que não fala a língua do vento
um catedrático que adora soneto   
o devaneio da guerra
quando o caboclo na carvoaria chora lágrima de criança anêmica
mando a merda os colonizadores - os que se acham misteriosos
o bardo que escreve um romance
elitista precisa dumas pancadas  
a borboleta suja de poeira foi chamada de mariposa
na teia de aranha tomou vassourada
sensibilidade sisuda
há resquícios no ritmo descompassado daquela luta
muita febre
muito sangue
música sem sal
popular demais - deu bandeira
atravessou a cidade toda a pé pagando promessa
fingia que participava
daquela marcha
daquele credo
daquele despacho no terreiro de umbanda
tudo tão bacana
tudo tão babaca  
que a lama grudada no pescoço -
subiu pra cara e nunca mais saiu da pele  
no olho do literato só havia mofo
museu
vaidade parada  
esse pangaré nunca deu um grito
todavia
a morte é cega num corpo sem janelas                    

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