quinta-feira, 19 de março de 2015

dona tigrana e seu leão vermelho

dona tigrana dividiu cama e umas continhas de agua e luz que ela pagava sozinha com seu leao vermelho
um daqueles bebuns de botequim de aura iluminada mais sem um puto no bolso estilo poeta mentiroso
rico de sementes em solo infertil
moravam numa periferia bastante parecida com um quilombo
seu leao vermelho era considerado na quebrada e pegava as novinha tudo que pintava pela frente
dona tigrana sempre introspectiva moderada trampava feito burro de carga
mas de vez enquando dava umas despirocada
cai nos forro de lua cheia e arrebentava
num tinha viv'alma ali que nao crescia o olho naquelas pernoca torneada naquele rabo de saia naquele cabelao batendo na cintura
seu leao vermelho era homem nascido na cidade vez tanta coisera na vida que tocou um foda-se e foi seguindo
tempo ali foi passando as agua rolando os dois envelhecendo a poeira abaixando
que dona tigrana e seu leao vermelho
no mesmo espelho se penteavam
ele quase careca
ela de cabelos brancos e muito enrugada
descobriram o amor
como porta que batia com vento
seus fracassos se tornaram baluartes
pergaminhos de beleza triste
reverberavam alegrins duma nova alegria
feito fotografia dependurada na parede por vários anos

ana e romildo

moravam no mesmo predio a muitos anos
romildo levantava ainda noite pra acordar o dia
madrugada a caminho da peleja
ana era manicure atendia em domicilio
gostava de livro
e nao suportava ze-povinho
romildo ao contrario aos finais de semana tomava uns golo no bar da esquina e ate pagava pinga pra bicho grilo
assistia novela botava som alto dentro de casa sozinho fumava uns e curtia
ele nada sabia de filosofia
poesia dramaturgia
nele era outro fogo que ardia
ela tampouco comungava
neutra no meio da manada
o que nao julgava
amada tambem nao se sentia
foda era a moral de tanto discurso
as diferentes aranhas de outra teia
pernilongos borrachudos
solidao caolha
por acaso um dia
dentro do elevador se conheceram
chave que caiu no chao
um obrigado
dois sorrisos palidos
faixa de gaza
muro de berlim dinamitado
algo para os dois acontecia se rompia
sem nome
sem intelecto
todo gesto
mesmo que fosse sem jeito
indiferente do plano
da sede do seculo
toda existencia era povoada de cisco
a primeira trepada
um trago no exilio
de agora em diante
ana e romildo
atropelariam o tempo

cartinha

olha maricotinha poderia te dar bom dia falar deste céu lindo todo azul por cima de nossa cuca das flores que nasceram em nosso jardim mas ando acordando entediado pra caralho e já não aposto fichas neste humanidade cheia de planos
ainda por cima cai de bicicleta e me arrebentei todo qualquer coisinha faz paz da gente virar guerra campo de batalha sabe fiquei curioso deixa eu te contar um segredo foram tantas as punhetas que bati pensando em ti deitado na porra desta cama imagino tanta coisa este aquario em nosso quarto fala-me de solidão de cadeia vontade sinto tem hora de dar um tiro em cada peixe tu sabe que sempre adorei piranha
que fiz teatro atras daquela bananeira maricota durmo nada
fico ligado madrugada adentro desenho pinto escrevo muito mais que antes acho que virei siderurgica depois que tu foi embora na real tu enchia o saco nunca satisfeita cheirava raiva nosso sexo
tu fala pras amiguinhas da idiotia que sofreu paca ao meu lado mas que nao consegue ficar sem minha barba esfregando na sua xoxota tu pega um dois tres destes garotinhos cults babacas que adoram bebericar e falar merda no edificio maletta mas nao adianta
teu peito continua deserto miragem que nao sacia a sede pois o cara aqui descabela o macaco se lambuza e se embriaga noutra fauna porem anda na mesma bosta de sempre o que fazer com todo este lodo grudado em nossa carranca maricota agua nao adianta
ficou parecendo mascara martírio amargura essa nossa existência
grito pedindo socorro
mundo todo finge que nao escuta
escrota
concluir não tem mais jeito

coisa de poeta fazendo charminho

eu que me apaixono ate por formiga subindo no poste
cadela apedrejada no cio
vento na nuca da travesti siliconada
naquela madrugada
de paleto vermelho embrigado
botei riponga na garupa da bicicleta
e levei pra casa
yves nasceu na argentina morou em barra funda paraty jeriquaquara
seu pai morreu de picada de cobra
da mae desconhece o paradeiro
ela que escrevia uns poemas chorumelas
feito diario de adolescente retardada rebolava gostoso e tinha um boquete
que ate capeta via estrela
naquela noite a trepada foi violenta
virulenta fome voraz
chapamo o coco com vinho barato
fumo de rolo e licor de jabuticaba
gozei na cara na fronha no olho
ate minha solidao ficar enciumada
dia seguinte mandei yves embora
catei uns piolhos que ela deixou feito saudade na cama alimentei meus gatos dei agua pras plantas fumei dois cigarros e fui tentar ler crevel aquela bichinha que botou fogo no proprio corpo
nada me consolava
nem as prima la no ze do caju
davam conta do recado
botei guia no corpo fui pro terreiro
fiz mandinga oferenda pro santo
e esta dor desconhecida dentro do peito so aumentava
ja nao existia cais pra ancorar meu barco
toquei um foda-se fechei meus olhos cagando em toda melancolia
gostaria que me enterrassem vivo naquele mangue
coisa de poeta fazendo charminho
dizia rosa a rameira que amava

lima pueblo

bebeu quatro licores de maracujá numa só talagada
e foi pro banheiro daquele boteco cantarolando cheio de axé sua dor
o coitado já nem tinha ânimo de divulgar seus livros pelas ruas daquele arraial
ficava ali no beco de noitadas duvidosas
gastando resto de trocado que no dia seguinte lhe faria falta
pois lá em seu barraco
água luz cafe-com-pão não tinha
mas pra um poeta toda penuria
todo mal agouro lhe inspirava
nao tem madalena
nem xoxota de novinha
que possa traduzir o orgasmo
que sentia com seus fracassos
madrugada
caiu la no forro do gongue
seus olhos devoravam um paraiso de pernas litoraneas
viu indiana pagar pinga com gengibre
pra paulistana tagarela
que abreviava tudo
churrasco falava churras
california era califa
e pra fuder de vez
aquele si-si-si era pau no cu
duro pra caralho de aguentar
feito seu demorots outra merda daquela comunidadezinha tecnologica sem vida
lima andava nervoso
ancestral cheio de defeito em seu arcano
quase nao dormia e pra piorar
sua filha foi arrebatada
pela cuca de um velho filha da puta
pe na cova que so pensava em dinheiro
na familia das ingratidoes cuspia
pela liberdade
alforria pra cada burro de carga
seja aqui neste brasilzinho fascista
ou na indonesia
o carvao ja nao consegue
camuflar as anomalias do corpo
ele divaga e no balcao pede mais uma
sozinho blinda
a falsa euforia do momento
este acaba-mundo
onde os revolucionarios de boutique
so sabem bater punheta
lima amava o risco
bem mais que este circo
com seus esporadicos
espetaculos do vazio
homem sincero era aprendiz de silencio
lavrador que sabia ouvir os apelos do solo
nunca este cenario decorando o palco
esta suposta qualidade besta de vida
materia de lama
abajur vermelho de bordel
puta que nunca se apaga
tragedia no sonho de portas vagabundas
onde a imortalidade
continua fedendo a mofo

idéia desmiolada e homem rito

sem cenário
só uma rua de asfalto em linha reta sem saída com cães vira-latas no cio

homem-rito só de cueca e tênis vermelho

idéia-desmiolada usa saiote preto uma par de seios a mostra
toda descabelada e barbuda

idéia-desmiolada: ID
homem-rito: HR

ID - tu não gosta da chuva seu desaventurado

HR - pra que se meu peito
transborda tempestade

ID - vou lhe dar uma pedrada
um soco no olho um beijo na testa

HR - continua ...
pois teu silêncio ainda não berra
teu rosto não ficou manchado
as pedras são necessárias e prazerosas
trago algumas aqui no bolso
deixa eu lhe dar uma mãozinha

ID - o que de mim dispara
sacaneia o caldo
esquece tua anarquia partidária
as ferramentas
leva só a porra da foice e cai na guerra
pela liberdade das formigas
pelo cuspe do percevejo branco

HR - merda nenhuma
nunca subi em palanque
nao foi fada nem fadiga toda diabrura
a ditadura do vento
conversa fiada
formando opiniudos outra inhaca
o que seria da vida sem utopia

ID - tu deixou a pia entupida
o vaso todo cagado
fala-me de valia
coragem fracasso ou espera

HR - espero nada
este turbilhão suntuoso
povo
palavra grande sem grandeza

ID - não divaga
se o patrão dorme
foi porque o ovo já ta na chapa
meu chapa
que caralho
não sou jesus nunca fiz milagre
tem água tem luz que só aumenta

HR - besteira
a gente não tem nada
só este beco
este buraco
esta ruazinha toda esburacada

ID - que venha o escuro
a sexualidade maldita dos repolhos
lembra a tesuda da nina

HR - que nina
a mesma que ficou sem meia
bati muita punheta pra ela
no espasmo de tanta garatuja

ID - não sou estandarte
produto da contra-cultura
hoje prostituto na industriazinha cultural
se achando artista
eta vidinha mais sem sal

HR - gente aqui nunca teve céu
estamos algemados
na moldura deste quadro
queria tanto rabiscar minha voz nesta mandinga
encontrar ódio-amor in flor de lótus

ID - vai la no cu da fome e se mata
de repente
todo fantasma ao meu lado dorme
na suruba do invisível dou as cartas
e até conduziria a fuga

HR - que fungo
nao estou te ouvindo
senhora transe que incorporo

ID - olha traste
chegou outro cachorro
cego de fogo
saco esta linhagem

HR - o jogo não muda
a mula nunca gostou de charrete
tem carro no ermo
sim chico
curupira adora pisante importado

ID - que música doida zumbi canta
quantas sereias pra cada pateta
filminho de tarkovski

HR - tarko ... do que ...
para o bem maligno de toda comunidade aqui sempre foi outra contagem
não vem que não tem
ventriloquo-messageiro entrou na onda
politicagem
sacanagem
só ando de buzão lotado
quem vai mudar isso
o povo
o mesmo
qual bobo
o povo quem
quanta televisão na favela
novela no apartamento
três carros na garagem
faculdade na praxe
abomino-te futuro

ID - tampouco
poeta aperta o cinto e nao decola
so degola o ocidente
feito rato de bueiro devora o fluxo
melhor a gente morrer de vez
um... dois... e... já...
assim o ar ficou parado
idéia-desmiolada bateu a cuca no poste
homem-rito
deita no chão pela segunda vez
os cães lambem a virgindade de suas feridas
da cuca de idéia-desmiolada brotam passarinhos-coágulos
morcegos d'agua
algodão-doce
noutra rua
meia-dúzia discutia a cidade
sem bandeira
sem ponte
sem pátria
sem deus

vinte e nove anos - quatorze de cadeia

foi se perdendo pelo caminho
o gosto ficou insípido
derramamentos de luz
arruinavam as proezas do ventre
depois de tudo contaria história:
ela que tinha olhos verdes
barba milenar
nasceu hermafrodita
nas operetas do sonho
vivia silenciosa como uma centópeia
amante de butoh
se conciliava com o cosmo
travesti daquela sombra
uma so mentira
invocando a energia do vento
dormia com todo mundo
mas em nenhum ombro chorava
dizia que não era besta de acreditar
e que tudo era fisiológico
ela que amava os livros
nos mesmos cospia
só botando fe no estupro do sol
que anunciava o dia
ardia em sua natureza outro veredicto
pela saga do cisco
bailarino invadiu seus olhos
chovia muito naquela hora
os presidiários degustavam o cu daquela figura
no patio guimbas de cigarro eram valiosas
nossa deusa hermafrodita
ali construiu sua morada
e suicidou-se neste musgo

zé raimundo
conhecido por jurema
vinte e nove anos
quatorze de cadeia

qual da cama pela neutralidade da tragédia

grita nao nina berra
pois essa doideira toda
já deu dor de barriga
miller fante céline cioran pablo neruda
tudo colono
do pensamento sem presságio
que merda
lembra daquele poeta barbudo que ficava lendo zaratustra no ponto de onibus
e queria ser preso aquele que se sentia marginal coisa e tal nunca soube colocar comida no prato derrama todo suco do copo e ainda se acha
que porra
aproveita e goza noutro canto
por que tudo se esgota tudo vira esgoto
o parasita da palavra não tem eternidade
gente sempre sacou essa murrinha
que mistério tem o caboclo
que enche a cara responde
nem todo dia nasce um bukowski
até desconfio desse
sem essa de gênio
foda demais já ser um homem
parece que foi o argelino quem disse
pouco importa
farei sombra perguntarei o que ama
qual da cama
pela neutralidade da tragédia
manja nina
neguinho só caricatura
tudo sem verdade sem vertigem
ali a vida segue capengando
bocado maquila o coice
solidão de cara suja garatuja
o bando glorifica a farsa
mas nem sabem fabricar fantasia
neste segundo a ventania aumenta
o guri chora dentro do barraco
o playboy come o cu
daquela piranha na mansão do pai
la fora bem ao lado
um papelão pra cada mendigo
o natal sem novidade se aproxima
um deus contrabandista se apresenta de metranca no meio da rua
cães vira-latas rondam o circo
mas o espetáculo nunca acontece

pluaraliza os trapos mas não prioriza as tribos

uma zica este bate-volta
todo sentimento se transformou num inseto acuado no canto da parede
hecatombe
feito barata que procura abrigo
parece que o importante sempre foi frustrar as expectativas da coisa
porra
deste amor anseio o mais sísmico agouro
quero que meus olhos
oscilem pela paisagem
pouco importa como se ouve música
quem interpretou nossa historia
confesso que sua voz me deixou tonto
embriagado de medo
por ser tão envolvente a paranoia
quais serão os prazeres do corpo
as pragas que invadirão a alma
ao menos abra um pouco mais a janela
pois o caldo precisa ferver na panela
balela ficar rodopiando
com o navio atrás de um porto
congestionamento no cais
natural como no transito
que engoliu nossa bicicletas
estamos sozinhos
de mãos dadas no meio da rua
na frágil solidão de cada artifício
não há cartografia
tampouco desenho
que neutralize o fluxo repentino da vida
sigamos viagem
neste mar
ainda
marina
os futuros náufragos
fumam o último cigarro
namorando
as voluptuosas sereias daquela ilha
na vangloria de meus fracassos modificarei o rumo
porém o ego engana
mesmo que cague
nas artimanhas
fantasmagóricas do aquário
mi corazon és surdo
pluraliza os trapos
mas nao prioriza as tribos
pede para ser comprado
pela eloquência das nuvens
pelo dinheiro de trepadas latejantes
antes que o sol possa iluminar a terra