quinta-feira, 22 de outubro de 2015

dona lurdinha

provavel que tua ingenuidade
e tua tristeza
seja a coisa mais rica desta terra
joia primitiva exilada nesta periferia
um peito bondoso
que se aparta deste mundo
tanta historia
muita vida vadia
no caos das goteiras daquele telhado
o sabao na pedra com desenho de sol
pra espantar a chuva
a surra do pai
tuas lagrimas emotivas
molhando minha camiseta
o book da sonora
que ate hoje
a gente nao sabe
quem pagou
a cartografia de tuas rugas
este mapa grudado
na pele sofrida do corpo
teu contentamento
com este filho vagabundo
que nao trabalha
arrimo de familia
que te sustenta mal e porcamente
com dinheiro de poesia
ficou de cabelos grisalhos
sem nenhuma carteira de trabalho
perdido na solidao suja da mesma cidade
tua existencia
inumeros desmaios
na fila de hospital
sorrindo com dignidade de alma
se gritasse aqui mae
nesta tela de vidro por ajuda
sei que ninguem me ouviria
se no lugar de vender
meus livros
meu folego
em mesa de boteco
assaltasse
isso nao anularia o homem
antes do poeta que sou
mas estou cansado
dona lurdinha
entrei em muita empreitada
e se ainda sonho
atolado nas tabuadas do instinto
foi so por que creio noutra matematica
que tua vida possa ficar leve
feito vento que bate na copa das arvores
igual aquela musica
que voce ainda canta:
o meu primeiro amor na despedida
disse um triste adeus e foi embora ...
tudo isso
ficou armazenado na caixa do cranio
teu apoio sem pedestal
de quimera me reconstruia
lembro daquele dia
eu pivete
indo contigo para o bairro tupi
comer alguma coisa
por que tudo faltava em nossa casa
que caralho mae
ainda hoje vivemos de falta
no derretimento do tempo
sou impotente fraco
e nao acredito
na sistematica ideia de familia
agora estou aqui
sentado neste sofa
cercado de penumbra
me vem aquela parede vermelha
a mesma com buraco de machadinha
beliche sem sono
desenho com corretivo na madrugada
na provincia de teu utero
desejaria meu regresso
minha fuga deste golgota
pelo sereno de cada incesto
ainda sinto medo
dos mesmos fantasmas
de nao conseguir pagar a conta
de agua pela tua sede nessa guerra sem nome
imigrante
foragida madre
aquela fabrica de anel
a muito tempo foi fechada
e la fora chove
afagando estes paredoes
que cercam nossa masmorra
daria toda betim
para enxergar a lua deste quarto
teu insuportavel zelo com esta cozinha
hoje tua vaidade navega no vazio
tao crua primitiva
assim sempre foi a vida
tua sabedoria outra
mae de terreiro na lirica da mentira
amo todo teu delirio
tuas verdades inventadas
em mim foi escola
o que nos faz transcender
esta existencia
mediocre
castigada
teu espirito
na senda grandiosa
dos sonhos alegoricos
regurgita aqui consciencia alada
nas nodoas de minha partitura todo erro
mae
nunca perdeste teu lado infante
o pergaminho de tua loa brilha
no maravilhoso gesto de tuas maos sonambulas de estrela d'alva

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