quinta-feira, 11 de abril de 2013

nos derrames da memória

dela só se sabia que lavava as madeixas em água de chuva
o resto seria incógnita - meio a tanta cegueira
tinha olhos tenros - um semblante franco - rasgado - que até soa fictício
porém seu silêncio decompõe qualquer futuro
ela que nunca reclamou da falta - sonho era seu chão  
nas vísceras da cidade - em qualquer esquina repousaria o corpo
nela os vira-latas se reconheciam - repartiam os pães do segredo  
sua solidão avacalhou matéria pelo canto  
contemplar esta sombra afogaria o trânsito
os demais transeuntes se afastariam  
pois o ponteiro da razão na cabeça do ego pra estes é tudo
os mesmos dizem que singular não presta
que a vantagem está no que se consome
que o status da varanda é ter cortina  
digo que não me interesso pela epopéia racional do mundo
por seus automóveis sujos de sangue nem carnificina  
que já não sei falar das manhãs feito um jogador de futebol
trago em mim a sede de um outro reflexo  
insisto - na ternura sagaz do lobo que me habita
coisa que só eu vejo nos mínimos detalhes:
bando de sacola - ela varrendo o pátio de sua casa rua
nos derrames da memória - entidade sonâmbula
santifica este meu coração primitivo
e lá narre tudo que for inconstante
o granizo das horas - o último orvalho de cada florzinha
minha mania de socorro onírico
as ambulâncias do firmamento aqui são outras
repito - nada se sabe sobre sua morte
os linguarudos da invenção cogitam que foi numa primavera
em inércia de domingo - pouco se tem
é certo que os vagalumes ficaram nervosos  
que a lua fugiu da terra com seu passaporte inválido
repenso a paz de sua partida

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